Durante muito tempo se acreditou que o vidro tivesse sido descoberto por acaso, pois no primeiro século da Era Cristã, o historiado romano Plínio, o Velho (c. 23 d.C. - 79 d. C.), autor da mais antiga enciclopédia de história natural, descreveu o seguinte episódio:
Contam que, certa vez, um navio pertencente a alguns comerciantes de natrão chegou aqui [na costa do atual Líbano] e seus tripulantes se espalharam ao longo da costa para preparar uma refeição. Como, no entanto, não havia pedras para sustentar seus caldeirões, eles as apoiaram em pedaços de natrão provenientes de sua carga. Quando estes pedaços foram aquecidos e se misturaram completamente com a areia da praia, fluiu um líquido estranho; e essa, dizem, foi a origem do vidro. (Plínio, História Natural, XXXVI, 191-2).
Natrão é um tipo de sal encontrado em leitos de rio secos que era muito usado no processo de mumificação, pois ajudava a desidratar as células -- aqueles comerciantes estavam provavelmente a caminho do Egito para vender a mercadoria.
E agora o leitor pode se perguntar "mas será que aconteceu assim mesmo?"
Os primeiros fragmentos de vidro de que se tem notícia datam de aproximadamente 2.700 a.C. e foram encontrados na confluência dos rios Tigre e Eufrates, na Mesopotâmia, região onde nasceu a civilização humana -- no mesmo local e época surgiram a roda e a escrita. Portanto, bem longe das praias da Síria. Além disso, os primeiros vidros eram de cor azul, e o vidro obtido através de areia de praia, rica em óxido de ferro, deveria ser de cor verde, o que também questiona a versão do historiador romano.
Segundo a mitologia greco-romana, foi nas ilhas Lipi, um arquipélago vulcânico, que o deus Éolo conservou o vento em suas cavernas e forjou os metais. Talvez esse mesmo deus tenha forjado também o vidro, já que nestas cavernas foi encontrada a primeira referência concreta sobre seu modo de produção. Era uma pedra talhada com a seguinte receita e recomendações, em caracteres cuneiformes: separe 60 partes de areia, 180 partes de cinzas de plantas do mar e 5 partes de giz; queime todas juntas e o resultado será vidro.
Baseado nessa fórmula, David Pye, diretor do centro de pesquisas em vidro da Universidade de Alfred em Nova York, resolveu repetir a experiência na década de 1990. Juntou areia de Chesapeake Bay, obteve cinzas de soda com plantas do mar e moeu conchas para obter giz. Queimou tudo por duas horas em uma fogueira a lenha que atingiu 870°C... mas não obteve vidro. Resolveu, então, repetir a experiência descrita por Plínio: deitou fogo em pedras de nitrato de potássio sobre a areia... e o resultado foram fragmentos rústicos e minúsculos de cor azul-esverdeada. Era vidro! A invenção deste material talvez não tenha acontecido exatamente como Plínio a descreveu, mas sua história é factível.
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